Arte Leve: Uma Travessia pelo Brasil
Uma exposição de arte costuma ser um espaço onde processos se encerram. Obras chegam prontas, embaladas em discursos consolidados, esperando apenas o olhar do público. Arte Leve, no entanto, propõe um caminho inverso. Aqui, o que se apresenta não é um ponto final, mas um marco inaugural, um gesto de abertura. Cada uma das obras que compõem esta mostra viajou pelos Correios, atravessando estados, percorrendo as distâncias continentais de nosso país, transportando histórias. Em sua leveza — restritas a 500 gramas e a dimensões controladas —, as obras carregam a densidade da diversidade das trajetórias de cada um dos artistas.
O processo de construção da Chamada Aberta Arte Leve pela Casa Yara DW teve início em 2024, cerca de 1 ano antes da abertura da mostra. Nasceu com o propósito de selecionar um artista de cada um dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal. Mas sua origem remonta a um movimento anterior e maior, uma construção reflexiva contínua sobre a circulação da arte e a acessibilidade dos espaços expositivos. A dinâmica de envio postal tem raízes na prática de Yara Dewachter, artista e organizadora do grupo Aluga-se (2010-2017), que subvertia a lógica institucional ao criar modelos alternativos de difusão artística em um circuito marcado pela limitação e escassez de oportunidades.
Se Howard Becker, em Mundos da Arte, nos lembra que a produção artística é sempre o produto de um processo coletivo, Arte Leve materializa essa noção. A exposição não é um ponto de chegada, mas um espaço de construção contínua, um canteiro de obras onde artistas, organizadores e espectadores compartilham o fazer artístico. Nada se dá isoladamente: cada etapa, do envio das obras ao momento expositivo, com sua programação pública, é atravessada por redes de cooperação e trocas, enfatizando a arte como prática social.
A seleção dos artistas foi um processo minucioso, conduzido pelo júri formado por mim, Alexandre Bispo e Orlando Maneschy. Diante de uma grande diversidade expressa em 471 propostas enviadas de todo o Brasil, buscamos obras que revelassem poéticas instigantes e abordagens singulares. O processo de escolha foi pautado pelo diálogo entre diferentes visões curatoriais, resultando em um conjunto heterogêneo e representativo da complexidade da produção contemporânea.
O engajamento não se limitou ao júri. Toda a equipe da Casa Yara DW se envolveu ativamente no diálogo com os artistas, com destaque para a dedicação incansável de Yara Dewachter. Desde a organização logística do edital até a triagem dos envios, a chamada aberta se configurou como um esforço compartilhado, reafirmando a importância da colaboração na construção de novas oportunidades para artistas.
A premissa de abrir espaço para novas vozes guiou a curadoria da mostra. Muitos dos artistas selecionados ainda não haviam tido visibilidade nacional, mas suas produções apontam caminhos instigantes para pensar a arte contemporânea no Brasil. Arte Leve é, portanto, uma plataforma que não apenas apresenta, mas insere esses artistas em um circuito ampliado, onde suas obras podem ser descobertas por curadores, pesquisadores e demais interessados em novas perspectivas.
A proposta de traçar um panorama da produção artística nacional vai além do recorte expositivo. A mostra funciona como um mapeamento dinâmico e em constante atualização, oferecendo um material valioso para futuras conexões entre artistas, instituições e agentes culturais. A ideia de circulação, já presente na logística do projeto, também se reflete na possibilidade de que essas obras e trajetórias possam reverberar para além da exposição.
A diversidade dos artistas selecionados reflete não apenas a geografia do país, mas também a amplitude de trajetórias, idades e formações. Há artistas que vêm de contextos acadêmicos e institucionais, enquanto outros se formaram de maneira autodidata, construindo sua prática no cotidiano e em redes independentes. Essa multiplicidade enriquece a exposição, trazendo ao público um mosaico de experiências que dialogam e se tensionam, criando novas leituras possíveis da produção contemporânea.
Além da variação de percursos formativos, há uma interseção de diferentes linguagens e poéticas. De trabalhos que exploram a materialidade e o fazer artesanal a investigações narrativas, tecnológicas ou conceituais que questionam a própria ideia de suporte, Arte Leve se coloca como um espaço de experimentação, onde a pluralidade é não apenas um dado de seleção, mas uma proposta curatorial ativa. Assim, a mostra reafirma a importância de abrir espaço para múltiplas formas de existir e criar dentro do campo da arte.
Ao reunir artistas de todas as regiões do Brasil, Arte Leve desenha um mapa alternativo da produção contemporânea. Não um mapa fixo, mas um fluxo em constante movimento, onde cada obra é um ponto de conexão entre paisagens culturais distintas. Neste gesto de envio e recepção, de deslocamento e encontro, a exposição reafirma um princípio essencial: a arte não se fecha em molduras definitivas, mas segue sempre em trânsito.
Érica Burini
ACRE >>> Danilo de S’Acre
ALAGOAS >>> Amilton
AMAPÁ >>> Nau Vegar
AMAZONAS >>> Levi Gama
BAHIA >>> Renata Voss
CEARÁ >>> Filipe Alves
DISTRITO FEDERAL >>> Glênio Lima
ESPÍRITO SANTO >>> Yiftah Peled
GOIÁS >>> Ricardo Masi
MARANHÃO >>> Regina Borba
MATO GROSSO >>> Luis Napoli
MATO GROSSO DO SUL >>> Priscilla Pessoa
MINAS GERAIS >>> Beatriz Pessoa
PARÁ >>> Allyster Fagundes
PARAÍBA >>> Lola Pinto
PARANÁ >>> Amanda Fahur
PERNAMBUCO >>> Sarah Nazareth
PIAUÍ >>> Eulália Pessoa
RIO DE JANEIRO >>> Luiz Sisinno
RIO GRANDE DO NORTE >>> Ana do Vale
RIO GRANDE DO SUL >>> Estêvão da Fontoura
RONDÔNIA >>> Gabriel Bicho
RORAIMA >>> Charles Macuxi
SANTA CATARINA >>> Osmar Domingos
SÃO PAULO >>> Aram
SERGIPE >>> VÉIO
TOCANTINS >>> Cláudio Montanari